sábado, 22 de outubro de 2011

O amanhecer na Mulungu. Capítulo II


Quando o galo cantou na manhã seguinte, Nhá Severina já havia cozinhado um tacho de inhame, retirado do borralho quase uma quarta de batatas assadas, retirado do forno nada mais nada menos que umas quatro travessas de bolo de fubá de melado, escumado a garapa e coado o café para começar a lida da peonada.
A cozinha de Nhá Severina era uma constante mistura de cheiros e gostos. Era desses lugares aonde se chega e achega-se.
Além dos cheiros e sabores tinha também a parte sonora que além dela que já era uma sinfonia o radinho de  pilha ligado no programo do Zé Bétio. Era com o Zé Bétio que Nhá Severina acordava Manuelzinho. Tão logo ela ouvia o mesmo dizer “acorda Guerino, joga água nele, joga água nele” lá ia ela  rumo ao quarto de Manuelzinho fazendo algazarra e repetindo a o mesmo. Voltava de lá sorrindo aquele sorriso largo, de canto a canto, e doce de preta velha que fizera estripulia mas com a missão cumprida de por para fora o rapazola.
A partir daí a música invadia o ambiente e a partir dali as vozes de Lourenço e Lourival, Cascatinha e Inhana, Tião Carreiro, Trio Parada Dura  adentravam a cozinha de Nhá Severina tronando-a mais alegre era ao som de vozes como estas que a mesma preparava amorosamente o café da manhã para servir à peonada.
Enquanto ela preparava o café no pasto o menino Joaquim corria aboiando as vacas para que os vaqueiros começassem a tirar o leite.
Ele descia da encosta na divisa dos ipês com os mulungus tocando nada mais nada menos que uma 100 vacas leiteiras. Àquela hora da manhã, o menino, de pés descalços e pernas de fora, tinha os dedos cortados pela tiririca cortante, navalha de macaco, e seguido o frio, sereno e poeira o pé era um ungüento de sangue, mel de meloso, poeira e orvalho caído durante a fria madrugada de agosto.
Lá embaixo no engenho o mel da cana escorria entre as bicas enchendo tachas e o fogo do bagaço seco crepitava nas bundas das mesmas aquecendo a garapa. Correndo, sempre atrasado, Manuelzinho vinha lá com as embiras de carrapicho para colocar nas taças para escumar a garapa.
Enquanto fervia as embiras faziam com que a sujeira da cana se juntasse numa escuma que era escumada por enormes escumadeiras durante o processo de fervura. Era assim que fulano fazia para limpara a garapa e dar melado clarinho.
Lá de cima Nhá Severina gritava Manuelzinho.
 - Manezim, ô manezim, vem leva o café dos homi.
Tão logo o mesmo chegava ela já começava com as recomendações:]
- Vê lá se não vai caí e derramá o café, afinar de contas ocê é mei estorvado e trapaiado das ideia, e vê e num dirruba as coisa de cumê. Cuidado com as xícra que de tanto atê ta tudo discascada. Curpa sua que num tem tenção cum nada, ô minino.  Quando vortá traiz uma vazia de melado pra mim pru mode o patrão cume inhame cum melado. Ande, dipressa.
Saia resmungando rumo ao engenho e antes mesmo de chegar no meio do caminho já estava cantarolando ou de olho cumprido em Salviano.
Tão logo  chegava com o melado novas ordens.
- Agora vai tratá dos poico. Vê se alembra que a poica que ta nos dia de criá tem que dá pôco trato, o fubá com soro e banana cozida é pros capado, e o mio e bagaço prus poico que num foi capado ainda, no caminho cê passa no paió e trata das galinha pra mode deas num i pro chiqueiro cumê o cumê dus poico.
E resmungava de novo.
- Tá Severina, veia chata.
- E ela de lá de dentro gritava ainda, eu tenho qui ripiti tudo pro mode da sua lerdeza o bicho lerdo.
Enquanto isso os carros-de-boi trafegam de um canto a outro da fazenda transportando a cana que sustentava aquela fazenda quer com a rapadura ou a cachaça.
Cachaça boa era a da Mulungu. Ninguém na região fabricava cachaça tão boa como na Fazenda do Coronel Getúlio.
Era ali, por volta das seis horas quando o coronel chegou à cozinha para tomar o seu café.
Nhá Severina agora estava as voltas com o menino Joaquim gritando para que ele fosse molhar a horta e fazendo muitas recomendações.
-Bom dia, Severina, cadê meu café. Perguntou o coronel em seu tom de sempre, de quem toma café amargoso e não gosta.
- Bom dia, coroné, continua azedo como sempre! Mais pra mim cara feia é fome. Come bastante que passa esse não passá e só engoli o orgulho, selá o cavalo e passar a porteira pro lado do ipês que passa. Respondeu, Nhá Severina emendando a conversa.
- Não tem jeito cocê. Cê ta cada dia mais atrevida, enxerida,  e metendo a colher onde não é chamada. Cuida da sua cozinha que da minha vida cuido eu. E dali saiu resmungando e esbravejando contra a vida, não com Nhá Severina que estava sempre com razão e ninguém ali tinha muita coragem de discutir com ela.
Era o coronel de saias, mas doce.
Lá no terreiro, Ana varria. Na fornalha grande Cassiana fazia beijus de milho para colocar na farinha de milho depois de torrada. Em volta dela um bando de crianças aguardando para que ela distribuísse os pedaços de beijus ainda quentes.
Chica corria de um lado para outro ora, atiçando o fogo, ora misturando a farinha para que tudo estivesse pronto à hora do almoço.
Era assim na fazenda de Coronel Getúlio. Um corre-corre comandado pelas quatro irmãs. Negras, altivas, doces e braços de ferro do coronel.
Ana, a mais franzina de todas, também era a mais sonhadora. Sonhava como a sinhá, não sonhava o lugar da mesma, mas os sonhos dela.
Sua lida era toda feita com música nos lábios e um sorriso de quem espera a felicidade. Tinha o sorriso à frente até mesmo por ter sua arcada dentaria mais para fora, mas um lindo sorriso.
A negra Cassiana e Valter não só era um casal, era a alegria de todos. Dos três filhos, dos netos e da criançada.
Ela, contadeira de histórias infantis, assim como a irmã, porém não de assombração, aquelas do foram felizes para sempre. Vivia rodeada de crianças e fazia festa para elas o dia todo.
Ele, adorava pegar as crianças no colo, aos meninos, dizia que iria capá-los, ou pedia uma cheiradinha de pó.
Quando no colo embalava-os ao som do serra-serra, ou pegava com os dois dedos entre o joelho para verificar se seriam peões. Aos coceguentos dizia que não teriam futuro ou que os mesmos namoravam na igreja.
Já, Chica, a maior de todas parecia uma menina grande. Adorava brincar de assustar as pessoas. Trabalhar como ela, homem nenhum. Da Fazenda para casa. Ao chegar juntava toda a família e ia ainda para a roça capinar. Colhia em suas roças oitenta alqueires de milho, vinte de feijão e sem contar as tulhas de amendoim que ela enchia. No terreiro da casa de Chica tinha tanta galinha quanto na fazenda de coronel Getúlio. Era galinha, pato, ganso, peru, galinha d’angola.  Em sua horta, imensa colhia alho para a despesa da casa, para vender para a fazenda e para os vizinhos.
Já o marido, Seu Joãozinho, apelido dado devido à pequena estatura, apesar de trabalhador tinha um fraco para a bebida. Não saía da venda do seu Geraldo.
A vida na fazenda corria normal quando um carro cruzou a divisa da fazenda. A criançada correu para a frente da fazenda, Manuelzinho correu junto e aqueles que não o fizeram ficaram de orelha em pé aguardando que um mais estabanado gritasse ou falasse mais alto quem chegou.
O carro parou em frente a entrada da varanda e de lá uma morena de um metro e setenta e cinco cabelos cacheados tocando a cintura, a tez morena clara,olhos e bocas grandes esboçavam um sorriso de menina travessa que fizera estripulia e que matava a saudade ao mesmo tempo.
Do alto da varanda, Nhá Severina bradou em alto som, num misto de alegria e apreensão.
- Minha menina, há quanto tempo, o quê que ocê tá fazeno aqui? Que saudade. Quantos ano, num vejo ocê minha doce Adélia.
- Deu saudades, Severina! Vim ver vocês e dessa vez vim pra ficar.
- Como assim fifi, fifi, ficar!? Exclamou perguntando com os olhos esbugalhados como quem viu assombração.
- Sim Severina, porque o espanto?
- Ele já sabe? Perguntou Nhá Severina.
- Não. Cadê ele.
- Tá na lida.
- Então peça alguém para retirar minhas malas e colocar no quarto de hóspedes para mim.
- Tá, mais isso vai dá confusão!
Nhá Severina gritou Manuelzinho, mas dessa vez quando ela disse Ma eleja estava junto dela, tamanha era a curiosidade dele em saber quem era a moça bonita.
- Anda menino deixa de sê curioso e vai colocá as mala de D. Adélia no quarto de hóspede. Ralhou Nhá Severina.
Severina lançou um olhar para Adélia que se encaminhava para o interior da casa, e um arrepio desce-lhe a espinha até os pés, o coração apertou e em volta de sua doce menina Severina viu um halo negro e pressentiu que dali para frente, tempestades fortes rondariam aquela casa.
Na cozinha Severina colocou a mesa de café para Adélia. Tinha brevidade, rosca de fermento, biscoito de goma, rosquinha de nata, biscoitinho recheado de goiabada, biscoito de araruta, bolacha, broa de fubá, bolo e tudo mais de delicioso que só Nhá Severina sabe fazer. Enquanto comia, Adélia era só elogios aos quitutes de Nhá Severina.
- Que Saudades, esse sabor tem gosto de infância, da minha infância. Até hoje me pergunto o que aconteceu, por quê? Mas o gosto é o mesmo e levantava e abraçava Nhá Severina e fazia festa para a negra que apesar de estar gostando sabia que isso não ia ser muito bom.
Assim que terminou de comer, Adélia foi para a sala, ligou o som, tirou  da bolsa um LP que acabara de comprar de uma dupla sertaneja nova, colocou no som, aumentou o volume ao máximo deitou no sofá e começou a cantar junto com a dupla sertaneja.
Eu não vou negar
Que sou louco por você,
"Tô" maluco pra te ver;
Eu não vou negar.
Eu não vou negar,
Sem você tudo é saudade,
Você traz felicidade;
Eu não vou negar.
Eu não vou negar,
Você é meu doce mel,
Meu pedacinho de céu;
Eu não vou negar.
Você é
Minha doce amada, minha alegria,
Meu conto de fadas, minha fantasia;
A paz que eu preciso pra sobreviver.
Eu sou o seu apaixonado
De alma transparente,
Um louco alucinado,
Meio inconsequente,
Um caso complicado de se entender.
É o Amor,
Que mexe com minha cabeça
E me deixa assim;
Que faz eu pensar em você
E esquecer de mim;
Que faz eu esquecer
Que a vida é feita pra viver.
É o Amor,
Que veio como um tiro certo
No meu coração;
Que derrubou a base forte
Da minha paixão
E fez eu entender que a vida
É nada sem você.
Eu não vou negar,
Você é meu doce mel,
Meu pedacinho de céu;
Eu não vou negar.
Você é
Minha doce amada, minha alegria,
Meu conto de fadas, minha fantasia;
A paz que eu preciso pra sobreviver.
Eu sou o seu apaixonado
De alma transparente,
Um louco alucinado,
Meio inconsequente;
Um caso complicado de se entender.
É o Amor,
Que mexe com minha cabeça
E me deixa assim;
Que faz eu pensar em você
E esquecer de mim;
Que faz eu esquecer
Que a vida é feita pra viver.
É o Amor,
Que veio como um tiro certo
No meu coração;
Que derrubou a base forte
Da minha paixão...

O coronel entra na as sala aos berros.
- Que é isso? Que bagunça é essa na minha casa. Severina, Severina...
Só foi interrompido pelo sorriso escancarado a sua frente. Cambaleou, suou frio, e balbuciou. Você!? Era ela? Seria ela? Perguntava-se.
 - Sim papai, sou eu.
 - Por um momento pensei que fosse... e apontando para o quadro na parede calou-se.
Ela correu para os braços do pai e disse que agora iria morar com ele que estava decidido.
Ele acenou consentindo e saiu abraçado à filha com um sorriso no rosto um ar de jovialidade que há muito não se via.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Entre Mulungus e Ipês Capítulo I

O vento de agosto soprava fino naquelas paragens. Ali, sentado na cadeira, acompanhando o bailado da poeira, somente o coronel apreciava, da varanda de sua fazenda, os mulungus e os ipês. 
Ambos nus, para mostrarem suas belezas, disputavam quem colheria mais olhares.
Estavam muito belos.
Um, vestido de vermelho encarnado, prestando homenagem às majestades da natureza enquanto o outro, em amarelo canário, relembrava o luxo e a opulência de outrora e o riso de tardes fagueiras de anos atrás.
Naquele ano parecia que os dois concorriam mais para fazer com que o coronel refletisse seus fantasmas.
Àquela hora o engenho já parara e somente um cheiro doce de rapadura e de cachaça nova pairava no ar trazido pelo vento da tarde.
Da cozinha uma mistura de cheiros seguia em direção à varanda para misturar às reminiscências que remoíam acesas naquele pito que o coronel acabara de fazer e acender.
Ouve-se um tum tum pelo assoalho da fazenda, passos pesados e de uma certa maneira nervosos despertam o coronel de seus devaneios.  Lá de dentro ainda, Nhá Severina, uma negra roliça de carnes fartas tantas quanto sua bondade, da sala grande grita:
- Coroné, oh coroné tá na hora janta. A pionada ta te esperano pra cumê.
Era por volta das cinco da tarde que se servia o desjejum naquela fazenda.
 - Coroné Getulo, vem logo home que os home tão tudo desesperado de fome.
- Já vou Severina, nem pensar quieto, mais se pode nessa casa. O mulher atrevida sô. Entre resmungos e xingos levanta-se o coronel e segue para a cozinha para puxar a fila da janta.
Nhá Severina havia feito uma canjiquinha com suã de porco, molho de cebolinha com pimenta, banana madura e verde frita, esquentado uns torresminhos de banha de porco e um feijãozinho roxinho, ali no fogão a lenha fervendo que só comendo.
A farinha de munho torrada quando tocada pelo feijão desprendia um cheiro pela cozinha que agora se tornara um festival de cheiros e sabores a penetrar os narizes dos presentes naquela mesa.
Para finalizar Nhá Severina jogava na panela com a gordura de porco bem quente um alho socado no pilão com sal e em seguida a couve fininha ara servir na hora.
Assim que o coronel se servia os homens iam um a um pegando seus pratos e achegando-se ao fogão e servindo-se também.
Era um titlintintar de colheres batendo no esmalte dos pratos, de copos que se enchiam com a guia para a janta prenunciando a cantoria de mais tarde ao pé da fogueira.
Na cozinha de Nhá Severina ninguém mandava, nem o coronel, um que fosse que falasse mais alto tomava uma carreira de pito que não se atreveria mais a levantar a voz ou desrespeitar a dona daquele pedaço.
Manuelzinho, um rapaz franzino desses que fazem de tudo na fazenda, pau para toda obra, andava de roda com ela. Apesar de saber o gênio dela não deixava de provocá-la só para vê-la brava e xingando.
Era assim toda tarde na cozinha da fazenda Mulungus um festival de cheiros e sabores seguido pelas vozes da homaria que se juntava naquela cozinha.
Salviano, um dos empregados da fazenda, homem forte e robusto, no auge de seus trinta anos, tez morena e ar rude conversa com o coronel sobre a lida e o trabalho do dia como se prestasse contas dos afazeres ao patrão. Ali também em meio à prosa fala da cantoria que terá mais tarde e do desafio que a peonada quer fazer mais tarde.
- O coronel autoriza a piãozada a fazê o desafio? Pergunta Salviano meio que sabendo a resposta, mas fingindo um respeito que na verdade não existia.
- Mas é claro Salviano. Respondeu o coronel também como quem não percebesse as intenções por trás das palavras.
Tão logo terminavam de comer tomavam um cafezinho grosso de rapadura, acendiam seus pitos e desciam para o alojamento que ficava embaixo da casa grande para tomarem banho e se prepararem para a cantoria.
Na cozinha, agora, somente Nhá Severina com seu cachimbo a lavar as vasilhas e Manuelzinho a guardar. Na cantoneira o rádio reza a ave-maria das seis da tarde e Nhá Severina aproveita que todos se foram para aconselhar Manuelzinho.
- Oia que eu tenho vido ocê se engraçando muito pro lado do Salviano. Cuidado que aquilo lá num presta ele parece que tem trato com o cão. As palavra que sai da boca dele parece que já vem com mantega, maciinha, mas por trás só fel.
- Severina não precisa preocupá comigo não que eu sei me cuidá, até porque ele não é assim não. Ele é muito bão pra mim. Ele veio da venda domingo e troxe até uns chicrete pra mim.
- Ocê não carece de ficar neivoso e rumano discuipa pruque eu falo é pro seu bem. Desde que sua mãe, a Bastiana que Deus a tenha se foi - tais palavras ditas acompanhadas do sinal da cruz apressado- que eu cumpro a sai de tomá conta docê pruquê prumeti pra ela, a gente se soubesse num prumetia essas coisas na hora que o outro tá morreno pruque o morto parte em paz e a gente fica com o desassossego. E entrunfando a cara prosseguiu:
Mais dia, menos dia ocê ainda vai mim dá razão. Vamo bora mudá  o rumo dessa prosa que a noite já caiu e eu quero ir na cantoria vê o desafio dos home.
Na varanda agora fazendo o quilo o coronel pitava seu cigarrinho de paia e fechava o caixa do dia rememorando o que fora feito naquele dia.
A lua despontava na serra começando a banhar de lua aquela imensidão de terras até tocar o pé da varanda e anunciar que a hora da festa estava para chegar.
Lá embaixo, os homens espremiam perfumes pelo corpo em uma algazarra e uma falação que só mulheres em dia de festa. A fogueira crepitava  e os bancos de madeira maciça, troncos serrados esquentavam como se preparassem para o que estava por vir.
À medida que iam se arrumando iam saíndo e compondo a roda. O primeiro a chegar foi o negro Tião com seus sessenta anos e sua oito baixos e para iniciar puxava o fole para saudar a lua com o “ Luar do Sertão de Luiz Gonzaga”.  Em seguida, solando sua viola vem o Valter que não só acompanha com faz solo para a lua...
Não há, ó gente, oh! Não, luar como esse do sertão
Não há, ó gente, oh! Não, luar como esse do sertão
Oh que saudade do luar da minha terra
Lá na serra branquejando, folhas secas pelo chão
Este luar cá da cidade tão escuro
Não tem aquela saudade, do luar lá do sertão!
Se a lua nasce por detras da verde mata
Mais parece um sol de prata, prateando a solidão
E a gente pega na viola e ponteia
E a canção e a lua cheia, a nascer no coração
Não há, ó gente, oh! Não, luar como esse do sertão
Não há, ó gente, oh! Não, luar como esse do sertão
REFRÃO
Quando vermelha no sertão desponta a lua
Dentro da alma flutua, tambem rubra nasce a dor
E a lua sobe e o sangue muda em claridade
E a nossa dor muda em saudade
Branca assim da mesma cor

A quem resolver questionar  a autoria  Catulo da Paixão Cearense / João Pernambuco E assim a roda vai se formando até que chega Nhá Severina com seu xale e o cachimbo para completar a roda.
Nhá Severina é uma contadeira de histórias de mão cheia e não poderia faltar aquela noite de prosa.
 A prosa seguia animada e a cantoria também entre um gole e outro uma pinga goela abaixo, o rosário de músicas sertanejas animadas e saudosistas eram o repertório daquela noite. Pinga ni mim, Sérgio Reis
Nesta Casa Tem Goteira
Pinga Ni Mim, Pinga Ni Mim, Pinga Ni Mim
Nesta Casa Tem Goteira
Pinga Ni Mim, Pinga Ni Mim, Pinga Ni Mim
Lá No Bairro Onde Eu Moro
Tem Alguém Que Eu Adoro
Ela É Minha Ilusão
Pra Aumentar Meu Castigo
Meu Amor Brigou Comigo.
Me Deixou Na Solidão
Por Incrível Que Pareça
Ela Fez Minha Cabeça
Estou Morrendo De Paixão
Pra Curar O Meu Despeito
Vou Meter Pinga No Peito
Sufocar Meu Coração 
Nesta Casa Tem Goteira 
Pinga Ni Mim, Pinga Ni Mim, Pinga Ni Mim
Nesta Casa Tem Goteira
Pinga Ni Mim, Pinga Ni Mim, Pinga Ni Mim
Eu Estou Apaixonado
Muito Doido Enciumado,
Daquela Linda Mulher,
Meu Sentimento É Profundo,
Não Quero Nada No Mundo,
Se Ela Não Me Quiser
Estou Amando Demais
Esquece-La Não Sou Capaz,
Eu Preciso Dar Um Jeito.
Se Eu Vejo Em Outros Braços,
Vou Fazer Um Tal Regaço
E Meter Pinga No Meu Peito,
Nesta Casa Tem Goteira 
Pinga Ni Mim, Pinga Ni Mim, Pinga Ni Mim
Nesta Casa Tem Goteira
Pinga Ni Mim, Pinga Ni Mim, Pinga Ni Mim
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Seresteiro das noites, Amado Batista se me perguntarem o nome de quem compôs não responderei educadamente, vamos à letra.
Existem momentos na vida
Que lembramos até morrer
Passados tão tristes no amor
Que ninguém consegue esquecer
Carrego uma triste lembrança
De um bem que jurou me amar
Está presa em meu pensamento
E o tempo não vai apagar
(Fui seresteiro das noites
Cantei vendo o alvorecer
Molhado com os pingos da chuva
Com flores pra lhe oferecer)
Enquanto eu cantava o amor
Em mim uma paixão nascia
Entre a penumbra, um rosto
Na janela pra mim sorria
Um beijo uniu nossas vidas
Mas sepultou sonhos meus
Meses depois uma carta
E nela a palavra adeus
(Fui seresteiro das noites
Cantei vendo o alvorecer
Molhado com os pingos da chuva
Com flores pra lhe oferecer)
Meus cabelos estão grisalhos
Do sereno das madrugadas
Meu violão velho num canto
Já não faço mais serenatas
Abraço o calor do sol
Choro quando vejo a lua
Parceira das canções lindas
Que cantei na sua rua
(Fui seresteiro das noites
Cantei vendo o alvorecer
Molhado com os pingos da chuva
Com flores pra lhe oferecer)
Não poderia faltar Cascatinha e Inhana flor do cafezal a pedido de Nhá Severina
Meu cafezal em flor, quanta flor meu cafezal
Meu cafezal em flor, quanta flor meu cafezal
Ai menina, meu amor, minha flor do cafezal
Ai menina, meu amor, branca flor do cafezal
Era florada, lindo véu de branca renda
Se estendeu sobre a fazenda, igual a um manto nupcial
E de mãos dadas fomos juntos pela estrada
Toda branca e pefumada, pela flor do cafezal
Meu cafezal em flor, quanta flor do cafezal
Meu cafezal em flor, quanta flor meu cafezal
Ai menina, meu amor, minha flor do cafezal
Ai menina, meu amor, branca flor do cafezal
Passa-se a noite vem o sol ardente bruto
Morre a flor e nasce o fruto no lugar de cada flor
Passa-se o tempo em que a vida é todo encanto
Morre o amor e nasce o pranto, fruto amargo de uma dor
Meu cafezal em flor, quanta flor meu cafezal
Meu cafezal em flor, quanta flor meu cafezal.
Coronel Getúlio pede a palavra e diz que noite de lua sem a história de Nhá Severina não tem graça e Nhá Severina como toda boa contadeira de história inicia sua história aproveitando os elementos que ali se encontram para dar maior realismo ao conto.
Há muitos anos atrás, quando o Coroné ainda era mirradinho numa noite de lua cheia dessas, mais precisamente no mês de agosto lá pras bandas do curral de baixo escutemo um urro de um bicho que nós não divulguemo ser o que era.
Tava todo mundo arreunido aqui na frente da fazenda tocano umas moda quando começou aquela zuerada lá pelas bandas do currá.
Depois do urro ouvia os bambu do bambuzero estalano como se tivesse pegano fogo. Nesse meio tempo só se via muié correno, home medroso debaixo das cama e nesse terreiro só ficamo eu, negro Tião e Coroné Veio. Os bezerro corria tudo pra serra acima num berrreiro só e as vaca arrespondia  numa correria danada, os animal tudo rinxano num tropel só as galinha cantava espantada os porco chorava no chiquero.
Eu e Tião e o Coroné jamais tinha visto tanto desespero em toda nossa vida. Achamo até, que o mundo tava cabano.
Nesse momento resolvemos a rezar para que nosso lar ficasse livre de influência espiritual negativa,  para pedir socorro e afastar os mal. Os treis ao mesmo tempo rezano para dar força.

"Em nome de Deus todo poderoso, que os maus espíritos se afastem de mim e que os bons me sirvam de proteção contra eles !
Espíritos malévolos, que inspirais aos homens maus pensamentos;
Espíritos trapaceiros e mentirosos, que os enganais;
Espíritos zombeteiros, que brincais com a credulidade deles,
Eu vos afasto com todas as forças de minha alma e fecho meus ouvidos às vossas sugestões;mas imploro para vós a misericórdia de Deus.
Bons Espíritos que generosamente me amparais,
Dai-me a força para resistir à influência dos maus espíritos e as luzes necessárias para não ser enganado pelas suas artimanhas.Preservai-me do orgulho e da vaidade; afastai do meu coração o ciúme, o ódio, a malevolência e todo sentimento contrário à caridade,que são outras tantas portas abertas aos Espíritos maus.Que assim seja !! 
Graças a Deus!"
Quando acabamo de rezá lá embaixo na estradinha surgiu quatro home carregano um caxão. Os caxão de antigamente num era que nem os de hoje não. Era feito em casa. O defunto morria e de noite os carapina passava a noite serrano madera e martelano enquanto a gente ia velano. E de forro só tinha duas qualidade que a gente comprava lá venda. Preto ou roxo com cruzinha.
Mas voltano ao caso nós cabemo de rezá e apareceu os quatro home co o caxão e vinha vino em direção a fazenda.  Logo em seguida surgiu uma procissão de muié tudo vestida de preta cantano umas musga de igreja.
Tião oiava pra mim eu oiava pra Tião e o coroné veio só coçano a barba. Quando nós já tava quase pra corrê, minha mãe, preta veia que Deus a tenha, em nome do Pai, do Fio, do Isprito Santo Amém, escutou aquela tribuzana toda e se achegô junto de nós.
Mais o que ta conteceno  qui Severina? Que tribuzana é essa? E que cortejo é aquele? Quem morreu? Isso não tá me cherano bem.
Corre lá Severina vai buscá a água benta na capela e as erva lá na casinha da preta que a coisa é braba. Enquanto eu corria minha rezava e invocava tudo que é santo que existia. Quando cheguei com as erva mamãe fez uma massarocada daquilo moiô com água benta e jugô  na fuguera  paricia inté que ela tinha inté jugado creozena no fogo.o trem deu um fugaréu, e as labareda saiu  em direção aquele povo que tava lá quase chegano aqui na porta da casa grande. As labareda lambeu tudo e no mesmo instante a fazenda vortô ao normal como se nada tivesse contecido.
Manuelzinho como era de esperar não aguentava ficar quieto perguntou:
- Mas Nhá Severina o que eles queria?
Ela como já aguardava tal pergunta esboçou um sorriso naquela cara grande e disse-lhe.
-Busca gente curiosa que nem ocê.
A peonada caiu na gargalhada e depois da história foi só tempo de tomar mais uma pedir desculpa pela falta do desafio e todo mundo caçar cama pois a lida na Mulungu começava cedo, as cinco da manhã.